Sou da rua. Nela fiz minha morada: casa, comida, roupa rasgada. Sou cria do asfalto, cresci a céu aberto, vendo tudo de perto. Madames à meia noite, prostitutas ao meio dia, rapazes se engalfinhando, se beijando; faca amolada, chorume da madrugada que escorre aos corpos estendidos, sem sentidos, mortos de tudo, de todos.
Sou a rua. Alma cintilante, silêncio da madrugada na corda bamba, frouxa a romper a qualquer instante, que ao sol se retesa em multicores que passam, marcam o asfalto, em sobressalto. Deslocamentos de corpos, suados, cansados, agora assombrados na penumbra da noite que cai sobre mim...sou sim, corpo e alma da rua que ali flutua.
I am from the street. I made my home there: home, food, torn clothes. I am a product of the asphalt, I grew up in the open air, seeing everything up close. Ladies at midnight, prostitutes at noon, young men grappling, kissing; sharpened knives, the early morning sludge that runs down the bodies lying there, senseless, dead from everything, from everyone.
I am the street. A sparkling soul, the silence of the early morning on a tightrope, loose and ready to break at any moment, which in the sun tightens into multicolored lights that pass by, marking the asphalt. Displacements of bodies, sweaty, tired, now haunted in the darkness of the night that falls upon me... I am the body and soul of the street that floats there.